quinta-feira, 18 de março de 2010

A CARA DE CIFRÃO

Constantemente aprendemos com as relações humanas. Uma nossa Cliente, senhora simples pela formação e já de avançada idade, disse certa feita que para as grandes corporações, todos temos "cara de cifrão". Interessado, pedi detalhes. Explicou-me a senhora que nada mais somos que um número, um percentual no faturamento, dos bancos, operadoras de cartões de crédito, concessionárias de telefonia, grandes magazines etc.
Infelizmente, ás vésperas do vigésimo aniversário do Código do Consumidor, o Brasil está longe de atingir o objetivo de criar a cultura do bem tratar e de proteger o motor maior da economia: a população consumidora.
De fato, após a conversa com essa senhora, a cada caso de direito do consumidor com que nos deparamos, vem à mente a imagem da pessoa sem rosto, sem identidade, mas apenas com um enorme cofrão sobre o pescoço. E exemplos não faltam.
Imagine-se o seguinte caso, que é repetitivo em nossa experiência diária: um meliante obtém ilicitamente os números de RG e CPF de alguém. Com esses números contata, por telefone e gratuitamente, a operadora de telefonia e, sem dificuldade, assina uma linha, com a qual efetua despesas, as quais obviamente não paga, em nome da vítima. A consequência: a vítima fica clom cadastro negativo no SPC e não consegue cancelar nem o débito e muito menos a linha, pois não há atendimento adequado para esse tipo de problema.
A solução é ajuizar ação para restaurar o bom nome e obter indenização por danos morais.
Ora, assinar uma linha telefônica, no nosso sentir, é assunto de extrema seriadade. Quantos crimes, na atualidade, não são praticados com o uso do telefone? O correto - e óbvio - seria, para segurança de todos, que o candidato a assinante comparecesse a um escritório, apresentasse seus documentos e firmasse um contrato, do qual constariam direitos e obrigações, para somente depois, ser ligada a linha. E por que isso não é feito? A resposta é simples: o custo, o cifrão.
Ora, perguntaria um atento leitor: mas em casos como o narrado, que ocorrem aos montes, a empresa não é punida pelo juiz, com indenização pelo dano moral? E não aprende com isso? Por que não passa a agir corretamente na contratação? A resposta: trata-se de risco calculado. Custa menos pagar as baixas indenizações fixadas pelo Judiciário (tal será abordado em outra oportunidade) que montar escritórios, com funcionários, equipamentos etc. e atender bem aos consumidores. Vê-se nesse exemplo a "cara de cifrão", a pessoa percentual, o sujeito-número, a que nossa cliente se referia.
pouco importa se a vítima, com o nome lançado no SPC, passará por constrangimentos, se não conseguirá adquirir bens para subsistência, se passará horas ao telefone tentando resolver o problema sem solução, se terá despesas com contratação de advogado, ou se terá de pernoitar em uma fila para ser atendida pela Defensoria Pública. O cliente sem face não importa. Importa, sim, o cifrão fundido à pela onde haveria de estar um rosto.
O mesmo problema ocorre com as administradoras dos cartões de crédito, os bancos e as grandes lojas. Seja qual for a via de atendimento, não existe alguém que tenha poderes para solucionar os problemas dos consumidores.
E o Código do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11/09/1990, prega, em seu artigo 4º, inciso II, alíneas "a" e "c", que "A política nacional das relações de consumotem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:... II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; c) pela presença do Estado no mercado de consumo".
Mas, na prática, não se vê a efetiva participação do Estado na defesa do consumidor. Em verdade seria efetivamente simples fiscalizar e autuar severamente esses serviços ruins de atendimento, mas a lei não é cumprida pelos entes públicos.
Como se vê, ainda está por chegar o momento do maior respeito ao consumidor. A tods cabe refletir e agir em prol dessa causa, para que tenhamos pessoas com rosto e não com "cara de cifrão".

Nenhum comentário:

Postar um comentário