sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O ABORTO E AS ELEIÇÕES

Muito tem repercutido na mídia a questão da posição dos candidatos à presidência da república a respeito do aborto. Assim, entendemos que seria interessante colocar uma posição mais técnica a respeito.
Por primeiro,  nos parece surreal dizer-se que alguém seja a favor de aborto, até porque certamente nem quem é levado à sua prática o faz de bom grado. O que se pode discutir é se a prática deve ser ou não considerada como crime passível de pena privativa da liberdade, já que a atual conformação legal leva muitas mulheres a interromper a gravidez em condições subhumanas.
O aborto, no Brasil, é considerado crime por disposição do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940). Eis o que dispõe a lei:
"Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
..............................................................................................................................................................
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência."
Há as exceções, em que a punibilidade da prática do aborto é excluída. Confira-se:
"Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal."
A lei penal não pode ser modificada pela vontade do Chefe de Estado. Alterações no Código Penal precisam, necessariamente, ser discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional.
Ao Presidente da República cabe, em matéria legislativa, editar medidas provisórias e decretos. Em medida provisória é vedado legislar sobre matéria penal (art. 62, § 1º, b, da Constituição Federal); os decretos são normas que servem para regulamentar as leis editadas pelo Congresso e os serviços públicos (ver art. 84, incisos e parágrafos da Constituição Federal); jamais para liberar a prática indiscriminada do aborto.
Insta informar que o atual governo editou o Decreto nº 7.037, de 21/12/2009, aprovando o Programa Nacional de Direitos Humanos, que dispõe sobre o tema aborto. Nesta parte, a norma foi alterada pelo Decreto nº 7.177, de 12/05/2010. O texto antigo (riscado) e o atual dizem:
"Objetivo estratégico III:
Garantia dos direitos das mulheres para o estabelecimento das condições necessárias para sua plena cidadania.
Ações programáticas:
g) Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos.
g) Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde. Redação dada pelo Decreto nº 7.177, de 12/05/2010)"
As conclusões que se tira do texto são as seguintes:
1) Não importa qual a posição dos candidatos sobre o tema, pois a legislação já está em vigor;
2) Mesmo quando se teve a idéia de descriminalização do aborto, já se colocava que a questão seria levada a discussão no Congresso Nacional e não simplesmente posta em prática pelo Chefe de Estado, o que é vedado pela Constituição;
3) A posição inicial foi modificada e a diretriz é de garantia de acesso à saúde às mulheres que praticarem ilegalmente ou que precisarem praticar aborto necessário ou para interrupçao de gravidez resultante de estupro.
Dado o acima exposto, o que vemos é o uso oportunista do tema, com o exclusivo objetivo de cooptar eleitores, o que não nos parece correto.
Esperamos que os esclarecimentos possam fomentar o debate sem paixões e contribuir na formação da opinião do leitor.