terça-feira, 27 de abril de 2010

DA PENSÃO ALIMENTÍCIA AO CÔNJUGE ADÚLTERO

Estabelece o Código Civil, em seu artigo 1.704, que: "Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial". (destaque nosso).
Já o artigo 1.707 do mesmo Código reza que "Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos..." (itálico nosso).
O que se vê é que na separação o cônjuge necessitado sempre terá direito aos alimentos, exceto se declarado culpado pelo fim do casamento. E, óbvio, o adultério provado nos autos da ação de separação enseja a declaração de culpa e, consequência, a perda da pensão.
O que tem ocorrido, não com pouca frequência, é que, em ação de separação, o cônjuge adúltero propõe ao inocente acordo, em que este abre mão de apurar a causa da separação e aquele dos alimentos. A separação é homologada e, tempos depois, o adúltero, aproveitando-se do texto do artigo 1.707, que estabelece a irrenunciabilidade, propõe ação de alimentos, já acobertado pelo acordo anterior, em que o inocente não mais pode discutir a causa da separação como excludente do dever alimentar.
Trata-se de manobra ardilosa em que a parte se aproveita da lei de forma covarde, em afronta aos mais comezinhos princípios do direito e da justiça.
Julgados há em que se decide que a irrenunciabilidade apenas cabe aos parentes do alimentante e não ao cônjuge. Nesse sentido, STJ-3ª T., REsp 701.902, rel. Min. Nancy Andrighi, j, 15/09/05, DJU 3.10.05, p. 249. Entretanto, ao Magistrado, para estabelecer a decisão mais justa, acaba por ter de manobrar a lei que é clara pela irrenunciabilidade incondicional.
Para tentar solucionar o tema está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 6.433/2009, de autoria do Deputado Paes de Lyra (PT C-SP), que altera o texto do Código. Ao artigo 1.704 seria acrescido o parágrafo primeiro, com a seguinte redação: "Quando a renúncia a alimentos, na separação consensual, der-se para fazer sucumbir a apuração litigiosa da culpa de um dos cônjuges por injúria ou infidelidade, o terceiro à sociedade conjugal que para ela tenha concorrido será obrigado a prestá-los em lugar do outro cônjuge, na forma do caput".
Já o artigo 1.707 passaria a ter o seguinte teor: "Uma vez fixados os alimentos em sentença transitada em julgado, pode o credor deixar de exercer o direito, porém lhe é vedado renunciar, salvo o cônjuge, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora" (destacado por nós).
A novidade implicaria em permitir sempre a renúncia aos alimentos por parte do cônjuge e ainda traria uma novidade: daria ao traidor o direito de pedir alimentos não mais ao ex-companheiro, mas ao cúmplice do adultério.
Em princípio afigura-se no mínimo interessante a proposição. Aguardaremos a votação para saber se o texto será aprovado, reprovado, ou modificado.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGURO DE VIDA

Todos temos noção do que é o seguro de vida: trata-se de contrato efetuado por determinada pessoa com companhia de seguros que garante ao(s) beneficiário(s) indicado(s) certa  indenização em caso de morte ou acidente do segurado.
Entretanto, alguns aspectos apenas vêm à tona quando da ocorrência do sinistro (evento que gera o pagamento da indenização conforme contratado).
O contrato de seguro de pessoa é disciplinado no Código Civil, especificamente nos artigos 789 e seguintes. Ali aparecem importantes comandos legais que nessa postagem serão comentados.
Imaginemos a seguinte situação: o segurado não identificou o beneficiário do seguro e veio a falecer. Quem recebe a indenização? O artigo 792 do Código Civil estabelece que, nesse caso, receberão o cônjuge não separado judicialmente (50%) e os herdeiros, conforme seu quinhão.
Entretanto, apesar da proximidade, nao deve em hipótese alguma, como costumeiramente ocorre, ser confundido o pagamento da indenização com a herança. O artigo 794 é taxativo ao estabelecer que o capital segurado não se considera herança "para todos os efeitos de direito". E, não sendo herança, o valor não pode ser usado para pagamento das dívidas do espólio (dívidas deixadas pelo falecido segurado). A indenização tem como objetivo único favorecer a(s) pessoa(s) indicada(s), ou o cônjuge e os herdeiros, para custear a subsistência dos mesmos.
E é lógica a disposição acima citada porque o valor da indenização não compunha o patrimônio do falecido. A ele o dinheiro jamais seria disponibilizado, salvo em se tratando de indenização por acidente.
Há ainda outra hipótese de pessoa que pode vir a receber a indenização. O parágrafo único do artigo 792 estabelece que "na falta das pessoas indicadas neste artigo (cônjuge e herdeiros) serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência". Dessarte, abre-se a possibilidade de qualquer pessoa que recebesse ajuda financeira do segurado vir a pleitear o recebimento do seguro, desde que não haja beneficiário indicado nem cônjuge e herdeiros vivos.
Outras considerações sobre o tem serão feitas em postagem a ser publicada.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O DIREITO DE ACRESCER NA DOAÇÃO AO CASAL

Nesta postagem falaremos um pouco sobre doação e  direitos hereditários. É de sabença geral que os bens do falecido são transmitidos aos seus herdeiros pela via do inventário. Nesse procedimento - que pode ser feito judicial ou extrajudicialmente - são relacionados todos os bens e as dívidas do de cujus, fazendo-se constar quais os percentuais que caberão a cada um dos herdeiros.
Há, entretanto, exceção interessante que inclusive é ignorada por boa parte dos operadores do direito. Diz o Código Civil, em seu artigo 551 que: "Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual. Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo". É o chamado direito de acrescer.
O entendimento da norma supra é que, se um casal recebe bem em doação, sem especificação de qual o percentual que a cada um cabe, falecendo um deles, o outro haverá para si integralmente referido bem.  Assim, no inventário, não será partilhado o bem doado, pois, aos outros herdeiros - normalmente os filhos - não caberá parcela desse bem. 
Em princípio não haveria problema se todos os filhos fossem comuns, pois, ao falecer o segundo cônjuge, todos herdariam aquele bem em iguais proporções. Mas, imagine-se o seguinte caso: o donatário tem um filho dentro do casamento e outro resultante de união anterior. Com sua morte, a totalidade da herança passa à sua esposa e, com a morte dessa, o filho anterior nada recebe, cabendo a totalidade do bem ao rebento comum.
Parece injusta em princípio a estipulação, mas não tanto se pensarmos em duas situaçoes: a) o doador, ao lavrar a escritura o fez em favor do casal e não de um ou outro indivíduo. A intenção, ness caso, seria o bem e a preservação da união. pouco importando  os herdeiros; b) no caso de falecimento do marido, a viúva não haverá de se preocupar com o conflito habitual com os filhos do primeiro matrimônio, não ficando ao desamparo, como vez por vezes outra acaba ocorrendo.
Aí está, então, importante estipulação legal que, por aparecer destacada da parte do Código que trata das sucessões, por vezes acaba esquecida, inclusive por aqueles que diariamente lidam com o direito de família.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS NO CASAMENTO

Fomos procurados por cliente que era casada pelo regime de separação de bens e estava incomodada com essa questão, por razões religiosas. Alegava ela que havia se conscientizado de que ela e o marido cometeram erro ao separar suas posses gostaria de saber se poderia mudar para a comunhão de bens.
O artigo 1.639, parágrafo segundo, do Código Civil, diz que: "É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".
Em princípio, é possível a mudança do regime, mas para tanto, há sempre dois requisitos a analisar, a saber: 1) a motivação é suficiente para a alteração?; e 2) há risco de interferência em direitos de terceiros?
O segundo ponto é simples: se os cônjuges têm contra si ações ou dívidas e a mudança pode inviabilizar a penhora de bens, a alteração é vedada. Estando eles com suas contas em ordem, superado esta o óbice.
Mas, e o motivo do pedido? Qual é o tipo de situação que efetivamente permite a mudança? A lei trata o tema de forma subjetiva e deixa a critério do juiz a análise, o que efetivamente parece correto.
Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que indeferiu pedido de alteração de regime, foi proferida nos seguintes termos: "Cônjuges que não demonstraram haver motivo razoável para a alteração... O judiciário deve estar atento às exigências necessárias para que se opere a modificação prevista no artigo 1.639, § 2º, do CC" (4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 644.416.4/0-00, julgado em 29/10/2009).
O Tribunal, como se vê, exige que haja "motivo razoável", o que confirma o texto e o espírito da lei. A mudança não deve ocorrer apenas pela vontade, a parte deve apresentar razão que será apreciada caso a caso.
Conclui-se, então, que cabe a mudança do regime de casamento sempre que, a critério do juiz a alegação dos cônjuges for consistente, ou seja, que haja lógica e que a alteração possa prodizir efeito benéfico, seja ele moral ou material.
Voltando ao caso de nossa cliente, o intento é de ordem puramente moral. E a proteção a esse tipo de direito está contemplada no ordenamento jurídico vigente. Isso porque o artigo 5º, X, da Constituição Federal estatui que: " são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Dessarte, concluímos que é possível a modificação do regime de casamento pela razão exemplificada. Contamos, portanto que o Judiciário assim entenda e reconheça.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

DA LEGALIDADE DA VEDAÇÃO AO CORTE DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado o Projeto de Lei PLS 178/08, que veda o imediato corte de fornecimento de energia elétrica, água e telefone por falta de pagamento a entidades que prestam relevantes serviços e a pessoas de baixa renda. A norma modifica a Lei nº 8.987/2005, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.
Pelo texto, fica acrescido à acima citada lei o artigo 31-A, do seguinte teor (destaques nossos): "A interrupção ou a restrição de prestação de serviço público por inadimplência a estabelecimentos de saúde, a instituições educacionais e de internação coletiva de pessoas e a usuário residencial de baixa renda beneficiário de subsídio deverá obedecer a prazos e critérios que preservem condições mínimas de manutenção da atividade desenvolvida por esses estabelecimentos e da saúde das pessoas atingidas".
Já o parágrafo primeiro ao artigo 31-A, que também consta do projeto, ordena a notificação prévia ao devedor, com prazo de trinta dias, discriminando detalhadamente o débito.
Originalmente pretendia o autor do projeto, Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), a proibição da inscrição dos nomes dos devedores nos cadastros de devedores. Entretanto, o Senador Delcídio Amaral (PT/MS) apresentou emenda retirando essa proibição. O Relator, Senador Romero Jucá (PMDB-RR), acolheu a justificativa da emenda e manteve a permissão da inscrição, destacando a importância dos serviços de informação e cadastramento de inadimplentes.
Pois bem. Apesar de os serviços envolvidos serem de caráter público e alta relevância, seu fornecimento traduz contratos entre fornecedor (concessionária) e consumidor (usuário).
Diz o artigo 476 do Código Civil que: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro". O mesmo Código estabelece, no artigo 421 o seguinte: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
Pode-se argumentar, de plano, que o ato de obrigar-se a concessionária a permanecer fornecendo o serviço, por certo período, a quem não honra a obrigação de pagamento, contraria o principio insculpido no artigo 476, já que este dispositivo desobriga uma das partes de cumprir seu dever (no caso fornecer o serviço) se a outra não efetuou os pagamentos. Daí, a pergunta que fica é: o artigo 421, que restringe a liberdade dos contratantes pela função social, é compatível com a proposição do Senado? Sabendo-se que a concessionária que não cumpre o que determina seu contrato com a administração é penalizada severamente e que, o não recebimento pelos serviços pode causar grandes prejuízos e até comprotemer a qualidade da prestação, estaria a assim chamada função social do contrato sendo mesmo aplicada?
Sem pretensão de neste breve post esgotar o tema, fica o questionamento para reflexão do leitor.

sábado, 3 de abril de 2010

DA INDENIZAÇÃO PELO EXTRAVIO DE BAGAGENS

Há muito se discute sobre a indenizabilidade dos prejuízos causados aos passageiros que têm suas bagagens extraviadas, tanto em viagens aéreas como nas terrestres. Nos tribunais pelo país existe uma enxurrada de demandas acerca do tema e aos magistrados, admita-se, é extremanente difícil a solução dos casos, dado que na quase totalidade das vezes inexiste a prova concreta do conteúdo das malas perdidas. 
O Código do Consumidor estabelece, em seu artigo 6º, VIII, em favor do passageiro, a "facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências". 
Abrem-se aqui parênteses: na regra geral do processo brasileiro, ditada pelo artigo 333, I, do Código de Processo Civil, cumpre ao autor da ação o dever de provar os fatos que alega e ensejam o direito que pleiteia.
Com a exceção da Lei Consumerista, abre-se a porta para que o juiz entenda que tudo o que se alega que existia dentro da mala efetivamente há de ser pago, posto que corre em desfavor do transportador o ônus de provar a inveracidade das alegações do passageiro. Desnecessário grande esforço mental para se imaginar a enorme possibilidade de ocorrerem injustiças.
Já nos deparamos com caso prático em que o passageiro de ônibus alegavaque sua bagagem, extraviada, continha vários equipamentos eletrônicos de altíssimo valor econômico, o que, pelas condições verificadas, não aparentava ser verdade. O juiz, sem ter elementos necessários, fixou indenização pelo valor do que se pretendia. Foi a injusta decisão "salomônica".
Para minimizar a situação e também a fim de dar efetividade e rapidez à solução do problema, está em curso na Cãmara dos Deputados projeto de autoria do Deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), projeto que obriga as empresas ao pagamento aos passageiros vitimados, de quantias fixas. Pelo texto, as companhias aéreas teriam de pagar R$ 300,00, e as operadoras terrestres R$ 200,00, no prazo máximo de vinte e quatro horas. 
É evidente que a proposição não resolve o problema, inclusive porque não fica vedado o pedido judicial de outras indenizações, mas certamente serão minimizados os conflitos. Aguardamos a aprovação do texto final.